25 December, 2006

Usando Saltos Altos


Certos fatos são como goles entalados de farinha ao meio-dia. Demora um pouco perceber que o tempo passa, que as coisas mudam, que ainda falta. Horas andando. E olhar em volta traz a sensação do passado de uma só vez. O que estava suspenso arrebenta-se no chão com a força do cimento. Promessa. Enquanto os ponteiros correm, pequenos acontecimentos do coração vem e vão, tão velozes e banais que nem chegam a deixar um gesto em comum, um vício de rotina. Possibilidades fracas esvaem-se como um esbarrão no super mercado, e a sensação que fica é que nunca passaram de um olhar de flerte. Feito brisa ela sopra em meus ouvidos esperanças de sua volta e da nossa "velha-vida-nova", juntas. Em todo aquele silêncio ( que eu sei já não ser mais o mesmo, e acho até interessante), envolvemo-nos numa cadeia tão delicada de trançados que esses meses não desfizeram. Olhares sobre nós dizem que não é certo, que não é justo ou bom.. mas por que não? Não estamos presas, comprometidas com nosso compromisso de ser e estar ela minha e eu dela. Estamos abertas para o que a vida nos trouxer, para os amores que vierem a aparecer... peito aberto para as facas que quiserem nos rasgar. Não exijo dela band-aids, pois quero ver as marcas nas costas, as feridas do que ela viveu. Mas elas não vêm, porque estamos de corpo fechado pra essas maldições. Fechadas em concha, ela n'eu e eu nela. Com poucas palavras que ainda nem sabemos pronunciar, galgamos o tempo rumo ao nosso agora, talvez o nosso para sempre. Sem pressa, sem medos. É nesse esperar desinteressado que eu sigo, arando campos pra podermos pousar, e plantando olhos verdes nos meus sonhos de escritora. Lembrando aquele sol das sete, que só Ela pôde dançar. E a sinfonia que ouvíamos, quando começamos a ser Nós.

20 December, 2006

Congestão


Ligeiramente conturbado. Atribulado. Sobrecarregado,eu diria.


Até mais ver, até mais tempo.

06 November, 2006

Bolhas de cimento



Não que seja novo ou especial. Como um velho penteado, o refazia sempre, a cada passo que dava. Mexia os cabelos, os peitos e os dentes calçada afora, coração adentro. Circulava pelas ruas alheia, não era nem nunca fora como um deles...
Mas numa quarta-feira chuvosa, lembrou-se de olhar pela janela, e o que viu a fez abrir muito os olhos. Viu o mundo. O sol que nem habitava numa fortaleza de ações. Viu vidas. Viu dentes. Já os sabia ali existindo desde sempre, mas agora era diferente.. eles eram.. pessoas. Não mais os animais de outrora. A calçada de antes era doída, como que habitada por penumbras. A única existência válida era a Dela. Os outros eram somente isso, corpos. Enxergava-os como engrenagens e sistemas de excreção, nervos e salivas. Digeria cada movimento de uma maneira ácida, sempre tão próxima do ridículo, o maxilar travando de nojo de todos esses coitados que não se sabiam assim. Sentia como se percebesse algo que os outros não viam, justo ela que tanto falava sobre não-sacralizados..Era doente, com certeza. Essa Maldição de Deus a tolhia de simplesmente ser. Em locais com música a sensação piorava...vê-los dançar trazia-lhe aos olhos uma lembrança tribal, uma selvageria coreografada como Tempos Neandertais na memória do Cosmos. Mas a certeza de se saber tão macaco quanto todos a puxava de volta à essa realidade , da qual ela sempre fizera parte. E não tentava fugir, nunca tentou. Lutava com todos os ossos para se ver livre dessa prisão de decifrar gestos como quem destila água. Queria se juntar ao resto da tribo. Pintar as carnes e dançar em torno do fogo, se possível. Afinal, sua natureza era essa. Simiesca e suja... não era? E seguiu na mesma calçada, com todas essas sentenças pesando em seus ombros por muitos anos. Usando-os mesmo que sem querer, pois não sabia tratá-los feito iguais, tinha os olhos sempre tão regados de piedade...justo ela, que já aceitara tantas penas. Queria amá-los, tê-los nos pêlos em memórias arrepiadas de fé. Mas o fato de serem assim como eram os fazia ocos de possibilidades. Ela assim como era. Não totalmente vazios, mas sempre distantes. Só não eram um nada pela esperança dela de um dia ser exatamente assim.. de entender todo esse complexo universo de grades que ela construiu em torno de si.E decidiu. Forçou-se então, juntou-se e comeu como eles, forjou a normalidade que pretendia e disfarçou as ânsias dos dedos. Chegou-se em alguns, cheirou à outros, e o passado que a construira foi sendo digerido lentamente enquanto percebia de onde vinha todo esse ranço dos humanos...Apertou o passo porque neblinou, nessa calçada que ela ainda estava, cercada de passos e alguns carros, porque agora ela era uma pessoa. Ela que escrevia livros silenciosamente, pôde finalmente usar a primeira pessoa. O feminino. Pôde fazer contos urbanos sobre pessoas. Pessoas, pessoas. Repetia isso agora como uma prece enquanto andava, como que agradecida das existências. Sorria para alguns, volta e meia com resquícios de pena. Mas não adiantaria, talvez esses alguns realmente a merecessem. E andava para onde queria chegar. E chegaria, sim, sim. Demorasse os mesmos muitos anos ou acontecesse de repente. Aprendera com a pele dos homens e seus colágenos que não existia o tempo. Tudo que houvera fora e seria. Diferentes mas ligados, para sempre. Era hora de atravessar a estrada.

21 October, 2006

Ataque que vem de fora.


Feito um bicho de fora, ele está aqui. Na minha vida. Ocupando as minhas memórias e os meus eletrônicos. Apresentando aos meus olhos toda a vida que existe dentro dele. Aos poucos, e comedido, o regalo das pupilas entrega seu vício. Sempre ali,concentrados em esquinas de vidros ou ângulos em papel. Esse engolir as imagens do mundo num gole só, empurrá-las corpo adentro sem digestão ou ácidos, é de uma natureza tão doce, de um jeito calmo que me faz estacionar. Pois com ele todas as coisas do mundo tem alma. Seu jeito mudo que grita nessas imagens que ele me traz, essas fotos falam por mim e por todos. Esse berro imagético que dói os tímpanos,que tapa os ouvidos, tão surreal. No sossego dos seus braços, talvez eu me caiba inteira. Feito uma moldura, encaixes calculados e equilíbrios de nós dois. Mas não sei.. Ele surgia como esperança de uma vida mais cheia. Caberá nele todo meu mar de fogos e dores que não consigo falar? Os meus sonhos de plásticos podem se chocar com aqueles dedos de galhos...mas não, não.. e se puder, que aconteçam. É esse olhar, são esses gestos que me assistem. Derrubando todos os muros para tentar me fazer enxergá-lo. Algo difícil até para si mesmo. Ver-se. Aprender a ser assim ‘feliz’ faz parte dos planos, tal qual a fazenda, o retorno ao lar, a volta para cá...
E se o mundo freasse e a vida desse uma volta, daquelas que acontecem e embasbacam tanta gente, e eu e você fôssemos o nosso mesmo lugar? Se esse braço couber meus olhos, essa voz couber minha nuca e nosso bailado casar...Se, se, se...E somente se, eu diria. Deixar fluir. Que suposições são amarras para os sonhos. E eu quero voar. Eu que vôo, ele que surfa. E os dias passam. Corramos. Vejamos até onde conseguimos nos desvendar. Que todo esse mistério enerva, mas faz bem. É bonito ver que nem tudo são cortes enfim. Existe a cura. Ou o paleativo? Veremos.

05 October, 2006

Contrarstes

Para: Augusto Jack, obrigada.





É por ele que eu espero todas as madrugadas. No fim das jornadas, voltamos sempre um para o outro. Como um ideal vivo, ele transita pela minha porta com a elegância de um passado bom... Passado... ele que nem é presente. O meu tempo nada nos olhos estáticos dos retratos espalhados pelo chão. E ele corre por aí feito um louco, descontrolado do próprio corpo, arrancando os galhos que o prendam a mim ou a qualquer pessoa. Espaços enormes, sossegos roubados, ele sua e se lava do que seu peito não quer conter. Ele corre de todos. Enfia-se pela mata à procura dos campos de concentração, da Guerra Santa, de Castelos. Dopado, ou talvez nem o esteja, chama uns amigos para acompanhá-lo... Bãh, mas que bobagem, ele sabe que está só. Rondado sempre por essa missão que ele pensa carregar acima de tudo. Pensando o mundo para esquecer-se de si. Lembrar-se? Não, não, um Homem de domínios, isso é o que ele é. Tudo. Sob. Controle. Mas ele sabe que não. Aparenta devaneios para testar calculado seus limites.. E nessa correria louca, ele acha seu espelho. Esquecido de tantas missões, de tantos ensinamentos, cai num sem-fim de peles que só a ele cabem. Sentindo cada membro como uma sinfonia. Um ponto de Luz. Esse é o Portal para entrar em seu corpo e nadar em seu conjunto. Células, pulmões, sonhos. Todo esse sistema que lhe vale tanto. Mas....falta algo. Nem todas as distâncias do mundo podem dar à ele o que deseja. Enquanto corre ele se despe das amarras de idéias velhas esverdeadas de mofo. Vai arrancando seus limites e reconstruindo cada pedaço desse seu Corpo. Ele faz música. Os gravetos quebrando sob seus pés são minha música de libertação. Fugimos da prisão, eu e ele. Porque quem já foi enterrado vivo no próprio peito aprende a se resguardar. E nos guardamos. Para um novo, para os novos mundos, para outros viveres. E eu fico aqui sentada enquanto ele dispara. Pisando forte essas raízes que podem machucar-lhe a pele, mas ele não se importa. Tem peitos abertos para os calos, para as dores. E enquanto ele limpa os dedos nas águas, abro minhas asas e procuro infinitos. Pois meu rumo é o horizonte, entre as nuvens, abrindo olhos e seguindo ventos. Ouvindo essa música que vem do chão, de onde ele está. Um corte na ponta da asa não me faz desistir, eu vivida de tantas dores de nenúfar. Passo por meus monstros tão rápido que nem os lembro os olhos. Não por medo ou covardia. Mas por desinteresse, simplesmente. Olhos que se fizeram presentes em meu terror não merecem minha constante atenção, justo quando tenho à frente todo esse mar.. Cortando a paisagem e fazendo chover a terra. Embriagados de sonos e deveres, as asas se gastam e é hora de voltar para casa. Para o chão. São quase três horas, ele chega já. Limpar seus suores nas minhas penas. Assim funcionamos. Vivos. Iguais.

23 September, 2006

Braille

Aaah, o espanhol tem me acompanhando tanto... essa língua, um rasgo no peito da gramática. Um nó na garganta, uma viola sempre triste e assim a música segue, num eterno amor de botequim. Sarjeta. Sempre o mesmo velho bar, o balcão, a banda acabando e o chão... ‘Um minuto da tua atenção, por favor, que ela me deixou...’ Uma quentura nas veias, uma baforada etílica e a vergonha. Minha lama se mistura aos pianos e esse drama todo finda numa tristeza geriátrica. Mas e como fico eu, que tenho apenas 20 anos? Háh, meus 20 anos já sentem as artroses cantadas por essas divas falidas... pois na América Latina cabe todas as minhas dores. Chorando pela boneca que não tive, pelo mendigo do lado, pela árvore cortada. Não importa os motivos, o que vale é minha dor. Sentir a música em sua plenitude, bebê-la os vícios e banhar-se dum sentimento que eu nem conheço.
E quando o chão parece ser o leito, uns requebrados me chamam a atenção. Uma impressão ciganóide no ar, uma vontade de sedução à volta. Todos saltam rumo à própria libido num estalar de fatos que só a um morto não animaria. Agora eu quero você assistindo esse show que ensaiei pra você, nesse exato momento. Sentir o calor da sua proximidade enquanto me sinto fêmea. É disso que preciso. Biologias.
Muda a banda, sobem rapazes chorosos. Dedico esta música de alma à você. Sem amarguras ou pedidos de volta. Porque agora te vejo como algo bom que se Foi. Homenageio nosso passado entre ombros e olhos cerrados. Sem cigarros, sem bebidas. Só as lembranças falam. Agradeço o que me deste de coração, pois te amei e sofri. Ainda amo. Mas de ti só espero nadas.
Nova música. Remelexos nas mãos e o quadril que não pára, o calor dos olhos que desafiam. O mais belo, A mais encantadora. Um ar brega de novela vagabunda. Um falso cabaré de cinema quarentista. Uma tão genuína alegria de ser assim tão livres leva pubericamente rumo uns aos outros num esfregar de partes e olhos incontíveis por estas paredes.A dios pido un poco de tiempo. E retorno ao inglês antes que minha alma exploda de tantos amores de botão.

18 September, 2006

frases bobas de saudade dos que partem

“ Existem pedaços da gente que a gente junta e forma um novo eu.

Sabonetes velhos e secos que, juntos, reafirmam multicoloridamente sua recém- unidade.


Búzios num vidro, que juntos formam um desenho de areia.


QUEIJO E PRESUNTO QUE SÃO MISTO QUENTE..

Pedaços ovados de luz que a gente guarda embaixo do travesseiro. Sempre cheios de luz.
Porque a tempestade não cessa, enquanto você me chover.


CAIXA DE VIDRO QUE É MÚSICA.


Não, não são as horas nem as importâncias. É tudo que foi mais o que seria.
Minha casa do lado da sua.
Nossa coleção de dominós.

NOSSO BAILADO.



As notas que fiz um dia e os crepes que vou aprender.

O piano que não cala aquela sala vazia.

É, companheiro...


ACHO QUE FIZ UMA MÚSICA DE VOCÊ. “

15 September, 2006

carta-reação

“ Querido P,


Deixa ela ir, Péricles. Deixa ela se juntar aos iguais. Lá vai ela. Vê? Sem armadura ou espadas, feito uma mulher comum. Porque Ela é comum, viu, Péricles? Co-mum. Amor pra você sou eu, mulher forte de braços longos. Teu escudo é meu peito, eu te protejo das sombras da vida afora. Vou para esse Gelo, me afogo e viro poça. Te acompanho. Te faço um só. Misturemos nossas águas, eu te desejo em mim.
Você estava encantado. Ela contou à todos mentiras de você. Sabia? Era feitiço, magia negra, essa qualquer não valeu-se de viver. Ela usa máscara, Péricles, eu também. Somos duas biscates num mesmo salão. Minha fantasia é fluida, é leve, como pena. Pena, Péricles, ouviu? Olha pra mim, deixa ela rodar as anáguas para outro mais promissor. Tu não tens o que ela quer, não entendes, homem? Ela quer posses, luxos, enfim. Eu? Háh, me basta ser torta, talher da tua mesa. Ser teu abraço do Brasil.
Desespera-me te ver falar assim, como se eu fosse um fantasma, uma invenção de tua cabeça. Temo ter entrado tanto em tua mente e me feito tão presente em teus olhos que me vês feito um prolongamento de tuas idéias, um amigo imaginário, sei lá. E não, não é isso que quero. Quero que me vejas como um outro ao lado, uma ponte, um colchão pras tuas dores. Sou tua já. Basta que me abras a porta. Pude ver,minha prenda,agora você. Me veja.

Aretha. "

carta-ação

“( Pássaros em CD.)


Querida Aretha,


Como vai o Brasil? Na Rússia, as coisas parecem não ter fim..Tanta água, mares de concreto, um frio que percorre os ossos feitos guardiões do Estado. Não se fala muito em Estado aqui... sabe-se lá porquê, só sei que prefiro calar. E a vida aqui é assim: Calando-se, baixando as vistas, sem aquela algazarra de vozes incertas da nossa terra mãe. Não que isso seja ruim, só esse aquecimento global que me derrete aos poucos e logo me fará poça... E pensar que saí daí tão cheio de sonhos, tão destiladamente humano trazendo nos bolsos 10 cents e minha vida. E essa minha água evaporou. Foi-se.
Pupilas dilatadas.Preciso de um porquê.Usei heroína. Viciado em heroína. Preciso dela todo dia, pra me erguer em pé. Sem ela,não passo de um homem. Com ela,vivo dragões e castelos. E ainda a espero. Injeto nas veias a fantasia dessa mulher que me percorre o corpo espalhando intentos de espelhos mágicos, espero essa musa que me sussurra os segredos do Rei. Ela, heroína. Que se esconde do meu farejo. Inalo,cheiro, e tudo que exalo é poeira.
Entorto colheres nos tempos vagos. Minhas mãos já estão feridas. Gostaria de parar, pois já não tenho talheres,mas quanto mais tortos os garfos, mais o sabor se altera. E é isso que eu quero, é disso que eu preciso. Sim,aqui na Rússia a vida tem gosto de saco. Taque uns cabelos na boca e deguste o meu ensopado.
Saiu mais um foguete. Sonhei que soltava pipa. Existe pipa no Brasil? Não sei,não gosto muito do Brasil...coisas que terminam com ‘L’ me dão nos nervos, tem um som fechado no final que faz-me sentir um monstro... mas pelo menos aí tem negros, a palidez rosácea dos russos é entediante...Agora tudo tem reticências...maldito Brasil....
Agora eu me vou,pois toca a campainha. Não deve ter mais ninguém, tocaram e gritaram, e ouvi passos na escada enquanto falava mal do Brasil..Mas vou lá assim mesmo,pois da mesma forma que eu não falava (eu escrevia), o alguém pode não ter-se ido embora ( só me tapeado)..não é?
Meu primeiro erro. Odeio não ter a borracha, aquela que apaga Tudo. Lá na Amazônia tem borracha e eles levam pessoas pra tirá-la de lá. Umas lembranças que tenho é um filme sobre esses escravos do leite... no Tempo dos Reis..Querem apagar o Brasil. Por mim tudo bem, aí não tem foguete. Mas vocês tem as melhores colheres do mundo. E o abraço. É fato.
Como eu dizia, vou à porta, ser meu próprio carteiro. Vou me escrever uma carta de amor tão linda que me fará chorar...lindo ao ler a minha heroína chegar, mansa em sorrisos. “ Rrêio!” opa, sou russo agora. E vou-me.


Péricles.”

11 September, 2006

Conto em dedos


Ah, esse mais do mesmo... quem vive num lugar desde que nasceu compartilha comigo a impressão azeda de que já viu tudo que tinha pra ver. Pessoas, lugares, situações. O ritmo da cidade se traduz, seus códigos não encantam mais. Eu achava que sabia.. Essa coisa de putas e gringos não é segredo para ninguém. Nossa cidade Fortaleza é um Forte de sacanagem. Com o estômago revirando dum enjôo, paramos num bar de reggae do coração raparigístico da província. Cabeças louras, ombros largos e pedaços de pele por todos os lados. Meus olhos não paravam, eu não conseguia parar. Assustada com pessoas que antes eu só lia, pessoas pra quem o sexo tem um outro significado. Enraivecida com essa gente que brinca de meretriz, vergonha por já ter feito essa piada antes. Ser puta,ser puta,ser puta...isso me perseguia.Uma mulata dessas "de exportação" senta na minha frente. Grandes olhos, lábios, peitos e cachos amontoados em decotes pretos e brilhos. Meu blazer e seu salto. Em confronto. Olhando continuamente pros lados, catando homem, inquieta pela 'do dia'. De repente, à esquerda. Olhos parados, finalmente. Língua em ação. Copos lambidos e dedos fálicos. Uma crueza de intenções sexuais grande demais pra mim. Essa oleosidade do desejo. Não pude ver com quem ela flertava,mas sei que desistiu. Ela não era puta pra qualquer um; era puta globeleza, carnuda e maliciosa. Em batalha novamente, bombardeio de papéis nos italianos ao lado. A da esquina gritava "Amore,amore". Não, isso não era para ela. Ela não grita, mas seus olhos berram. Tanta volúpia que transborda no nódulo de apertadinhas e arrombadas em torno da TV. Não a vi conseguir cliente, creio que fui embora antes disso. E enquanto meu rosto derretia pelo sono do bêbado, vi a Outra. A puta gordinha do interior,sem graça, de cabelos grandes e encaracolados como manda a regra do 'não me notem'. A putinha de sorrisso morno e sombra verde nos olhos de anta. "Ela tenta ficar bonita,ela tenta aparecer" pensei. E enquanto a gorda girava e ciscava em círculos e círculos meus olhos rodaram e o estômago cedeu. Eu as vomitei.

13 August, 2006

O porquê


Ele se sabia divino. Cuspido nas calçadas urbanas, talvez por merecimento, talvez por aposta. ( uma peça pregada pelo Senhor) Maldito e deformado em sua essência. Um ponto de luz e energia branca entre imprensas marrons e bocas roxons. A encarnação da esperança na pele de um humano; planando sobre sapatos em trânsito nas esquinas da cidade solar, entre carros e bandeiradas eleitorais, vomitado de toda a verdade sobre sua aura imaculada: a mentira de sua existência. Trajes simples em um homem de sustos, catatônico com seu mundo. Prestes à implosão.
Buzinas,buzinas, gritos. Esse era seu novo lugar de estar. Não sabia por quanto tempo, se queria ficar, se queria sair. Mas estar ali o obrigava a digerir toda a vida ao redor . Olhos muito abertos,poros dilatados.. o corpo todo se abria para o novo tempo penetrar, a gala das horas empastando as vistas. As luzes amarelas dos postes se acendem. Ele tem asas...Sim, ele as tem. Os andares azuis do Banco fervidos de olhos curiosos por entender "o que é aquilo? é homem, é mulher?" Risinhos de escárnio e uma impressão ruim na tarde. Onde estou que não me vejo em ninguém? e em mim, esse eu?" Sensação de invisível misturada a um 'ridículo de ser', a confusão sensorial gradativa daquele semáforo... como pensar em si mesmo? Como homem? Como anjo? Como conceito? Como sentimento? "Não aguento,meu Deus eu não aguento, eu não aguento..." e estremeceu. A realidade o matou esmagado pela incerteza. A bondade morreu às 18 horas na esquina da Desembargador Moreira com Santos Dumont, deixou por testemunhas caixas de água e adesivos de candidatos. E um testamento de intenções que até ao mais vil criminoso gelaria. Intentos, intentos, alvos. Era disso que ele precisava, era somente isso que ele queria. Somente. Isso.

03 August, 2006

Pausa.




Saindo de cena. Finalmente o entreatos. Assim espero,ao menos.

"Remind me, remind me oh remind me..."

Vendo luzes, cordas,pontes. Achei uma ajuda. Achei uma proposta. E uma possibilidade. Procurando a calma. Junto do mar. Até mais,companheiro. Mas será que eu volto? Eu-eu? Não sei...e sinceramente...dane-se. Que queime o pedaço podre. E arda o bom do dia.

26 July, 2006

A valsa


Tem dias que paro frente ao espelho, me arrumo completa e observo. Eu nunca deixei de ser a minininha da mamãe, de tamancos imensos e batom mal-passado. Mas a cara não continua a mesma.. agora, por baixo do rouge e das sombras, tem uma cara velha de rugas e pés de galinha. Poros dilatados e uma certa tensão por não sei o quê. Nada cresceu...aliás...minto. Muito de mim cresceu e dilatou-se num sem rumo que não consigo mais frear. Porque tudo que eu quero é me sentir pequena. E nessa tentativa de voltar no tempo, blusas grandes e meias já não me bastam. O aconchego do ventre que nem o mais sério amor me devolverá. Eu quero que você venha me ninar, eu quero sugar a vida dos seus seios, eu quero precisar. Eu sonho me completar com teu corpo, voltar a ver o centro em mim. Porque meu centro agora se espalhou tanto, em tantos pontos... uma fina poeira no rastro dos passos. A vida dos grandes é de um vazio que beira o insuportável. Essa consciência maldita, umas ocupações tão bestas e preocupações mais ainda. Ah não, não é essa a vida que eu quero pra mim. Desvendas o mundo numa aventura sonora, engolindo palavras e cuspindo sentidos, num ritmo alucinante de fantasia e descoberta. Eu quero os meus olhos de criança. A decadência infantil de quem desconhece respeitos; esses olhos que tanto ferem, que cravam as garras no peito e deixa as cicatrizes,às vezes, para sempre. A doce malevolência que, se me habitasse agora, seria psicótica e assassina. Porque nos adultos tudo vira doença. O menor acidente vira um crime brutal. Uma explosão dessa crueldade mal-resolvida. São tantos temperamentos, meu Deus, que não suporto mais... Toca caixinha de música, toca...vem me embalar,já que braços não me cabem mais. Contenha-me, emberça-me,por favor, que eu já não me caibo mais.
Chora, chora, minha pequena. deixa que teu sono vem devagar.Fecha os olhos e deixa as lágrimas caírem num bocejo-gosto de mel. Tuas roupas agora são claras, de um rosa-bebê.. e eu estou aqui. Agora dorme, dorme...ssshhhhhhh. .”brilha, brilha, estrelinha... que a Lua chega já.”.

21 July, 2006

Desejo. Arde. Fere. Queima. Molha. E afoga.

14 July, 2006

Manifesto contra a Luz Amarela.

Não dá pra explicar. É uma relação de sensibilidade,uma troca intensa. Afinal, ela é a luz. Ilumina. Sim, isso é óbvio. Faz parte,como tudo faz parte de um sistema essencial de funcionamento. E tudo no seu tom, na sua cor;a harmonia das significâncias de cores-luzes e cores-pigmento,encharcando as realidades de ondas e sentidos. Humores à esmo. Eu simplesmente não compreendo. Porque,meu Deus, banhar a cidade desse dourado morno, essa cor de violência,nesses postes dementes? É de um mau gosto, é de uma sujeira, que polui os olhos,pesa as vistas. Espalha-se pelas avenidas impregnada da sensação acidosa de um belo porre de vinho, aquela corrossão íntima e desnecessária que não cessa. Traz a tona emoções cinematográficas de becos sem saída. No feliz tempo das fluorescentes, as pessoas me pareciam mais leves, a cidade doía menos de se olhar. Hoje,não. Encaixotados. Feito pintos em cativeiro. E ela zomba de nós nas praças, nas casas e banheiros. Olha corcunda nossas vidas passando feito película ruim. E,revelados, somos fotos 3x4 do nosso tempo. O Tempo das Luzes Amarelas, incandescentes, arrassando e derretendo as crianças da praça, as velhas da porta, as beiras da casas. Feito a preguiça ruim de acordar com o sol na cara, uma desarmonia que pulsa no peito federal. Luzes não são detalhes assim insignificantes..Ferem,incomodam,adoecem. Certeza tenho de que as taxas de violênca tem A ver com elas...sim,sim...disso estou convencida. Sob essa luz doente, as mortes parecem consentidas, acobertadas. Os vícios dão cedo a impressão de sarjeta. Esse falso sol, ham, falso-sol... a pretensão de domiciliar algo tão eterno saiu pela culatra. Produziram uma arma, uma sutil e letal arma. Apontada na cara do meu sossego,pelo menos. E grito contra quem for,provo por A+B, que a solução dos nossos famigerados tempos,Irmãos, está nela. E de onde vem ela, essa sedutora senhorita Luz? Energia. Elétrica. Ahr,as energias...sempre elas. Invadindo e dominando qualquer corpo que exista, nem que de graça,nesta natureza. Cheia de pontos e reatores exatos na hora do desbloqueio. Uma solene água,escorrendo peito adentro,e banhando tudo de vigor.. Ou de doença. Às energias,sempre elas. Atrasando, perspassando,controlando vidas e fazendo caminhos pelas estradas escuras... mas...escuras, porque? Afinal, você só tem que acender uma luz.