21 February, 2007

antes que mofe




Num sono calado de roupas no chão, Ana dorme entregue às horas, imersa num mundo de significados amarrados ao pé da cama. Na escuridão dessa madrugada, dançam ao redor dela todos os móveis, os telhados, as portas; giram mergulhando num aquário imenso de dimensões onde há céus e terras ao avesso, enquanto seu corpo- peso- morto jaz no chão... chão? Ana inerte-indefesa às piruetas e saltos no balé das cômodas; pois graças à ela uma cadeira é uma cadeira e serve para sentar e pode ter estofado ou não. Graças à ela o armário mostra seus dentes cor de jeans silenciados em vão. Mas esses mesmos olhos, quando dormidos, quase libertam do cárcere essas ditas 'coisas', que correm pelo ar e se espalham, cuspindo bafos de sonhos e lembranças de deja vus. Até que, vez por outra(seja por susto ou infelicidade), a gente acorda no meio da noite, com uma sensação zonza tilintando aos olhos e a certeza de que uns segundos em pé fará passar o zumbido nos ouvidos. Mal sabem que essa fração de tempo nos faz capitães do mato, açoitando e puxando de volta à jaula cada 'ser' para seu devido 'estar'. E tudo volta a ser Imóveis. Abriram-se então os olhos de Ana, de roupas rasgadas e espada na mão, trazendo adestradas cada coisa em cada santo lugar. Retinho e moribundo, com uma faca na nuca e a boca calada pelo que se julga vida. E seguimos nós, os fantasmas, rumo ao banheiro de concreto cutucar sonhos e rir-se de suas improbabilidades.