26 September, 2011

t.R.I.P.









Faltei o trabalho, sujei toda a louça, o relógio que pare. Minha cabeça dá voltas e voltas tentando segurar as pontas e tomar idéia de tudo que passa. O quimo de feridas velhas se confunde com a folhagem do novo; fortes e inesperadas luzes palpitam por todos os lados. Do ventre da terra, o corpo no mundo. Ele, ele, ele, e todos os seus pedaços. O que ele jorra pra fora, o que ele sangra pra dentro. Desmatar-se e enxergar a crueldade que me habita, mas que não me pertence, falada e cuspida em vozes que se camuflam de minhas, mas não o são. Me olho, e vejo uma mulher cohabitada de pontiagudos, de violências que engoli e transformei no meu modo de falar comigo, sempre na base do tapa. Até que o pior aconteceu e eu passei a aceitar a violência como parte da vida. E me moldei passível e inerte, acolhendo os estranhamentos como algo que eu merecia, por ser assim. Assim como? E eu chorava. Mas assim como? E eu engolia. O tempo passou, eu me distraí com outros brinquedos divertidos, que se equilibravam feridosamente em cima das lanças dessa infância, que tinha poeira e roupas por cima, mas que continuava lá, estáquica. De uns tempos pra cá, a vida em si começou a afiar essa ponta, a me cutucar o espírito pedindo medidas, sacudindo-me desse cinza. Novamente, fui conduzida a um extremo de tristeza e descrença, e só nesse raso eu consegui enxergar e assumir essa múmia , que eu silenciosamente alimentava, crente dela. Sucessões de fatos e pessoas foram brotando, dos chãos e das paredes, com tantas e novas cores, sem limites nem bordas. Ondina, fui me deixando bailar, encantada desses mundos além, onde amar não é medo, o toque é um continente e o carinho um alimento. Ah que beleza mais linda! Eu te toco, tu me abraça,eu me aninho e nós dormimos abertos e nus, destemidos dos sentimentos, banhados nesse abraço coletivo, enamorados sem pavor e sem vergonha. O pudor não me assusta, a moralidade não me é um muro. Mas as estacas.... ah as estacas. Elas sim. Submergiram milenares em suas falsas verdades, prendendo minha atenção novamente no meu corpo. Meu. Corpo. Esse monte de tripas momentâneas que vai tão além dos limites sanguíneos. Andei, andei até onde eu pude, e me entreguei ao final de tudo, cansada, chorosa, esvaída, mas feliz. Andei até onde minhas longas pernas de agora me permitiram, e muito em breve essas mesmas pernas correrão junto do meu lúdico , que quer se jogar nos braços mil dos andróginos que somos. O aprendizado que é a libertação da memória. Olho para os lados e minhas lavandas dançam na janela, a cada brisa que chega. Manjericãos em flor e o Sol. Chegou a Primavera-de-mim, e eu brindo a ela sorrindo nosso suspiro, mostrando os dentes que já não são só meus, mas da boca do nosso amor,pelado das propostas. A Revolução de amar assim, Libertado.

02 August, 2011

trâmo









 Em meu corpo-cidade habitam homens, mulheres, crianças, passarinhos. Bailam todas as plantas que nasceram e nasceriam neste corpo que é palco! Nele, se sorri por nada e nunca se sai de cena. Nele, cirandam os homens que cravaram bandeiras no meu ventre e partiram; Cirandam mulheres, com dedos finos e vozes altas. Correm por minhas costas barulhentas e coloridas os filhos que não tive, as crianças pé-sujo das risadas fartas e bolas perdidas. Em meu ombro, uma casinha amarela com um pé de jambo, onde mora meu pai e seus cigarros, mamãe e seus silêncios. Uma casinha de panelas ao chão e tangos ao alto.  E tudo isso que em mim reside é leve, é parte. E eu, que encontrei tanto amor, tanto sorriso de graça, chorei de saudade. De cada um que esbarrei, ganhei presentes, troquei partes. A vida corria livre,despenteada. À esses dias, eu rendo meu corpo, dou minha beleza maior. A pureza de estarmos juntos, livres, de sermos tão delicados em nossos elos. E vieste, pálido e alto. Vieste, ruiva e fogo. E esses dias tão intensos agora se confundem com as pernas de São Paulo, tão estampadas e brilhantes, com longos calcanhares de cimento e trânsito. Um momento, eu preciso de ar fresco. Pra entender onde estou e o quê de mim foi feito. Enquanto isso, rios se encontram, carros se aglutinam sob o farol, o tempo fita. Libertando, libertemos.

18 May, 2011

sueño


As pontas dos dedos escapam nas tuas tantas peles e se rumam às tuas curvas, de um jeito demente e saudoso que eu só mesmo lembro. O topo dos teus seios, as nuances das tuas coxas, todo o conjunto de sutileza que teu corpo cultiva por vezes me rebenta de saudades, de almejos de estar outra vez por estes mesmos espaços. Eu habito teu beijo a cada nova semana, enquanto a TV te parece cada vez mais sem sentido. Tu desliza o xadrez da minha camisa enquanto faço compras pro jantar de sexta. Busco tuas pistas nos olhares perdidos de moças que nem sequer me olham, salivo teus ombros no intervalo de um filme qualquer. Tu não existe, mas estás de forma tão castanha e acinturada na minha sala que parece ser romance na madrugada.
Cheiro doces, pele finas, pulsos fracos. Me faz falta te reclamar cuidado, te romper os zelos com minha força bruta. Me dão saudades as finuras, me lamentam as finezas. Voltem, queridas, que eu as sigo todo o sempre, no rebolado das escadas, nos abraços de corredor. Nosso sexo pinta paredes enquanto morrem as horas. Até breve? Até quando.

13 February, 2011

Um suspiro




Quem me conhece sabe o quanto as libélulas me são sagradas. Aliás, nem precisa me conhecer, basta olhar pra elas para sentir o vestígio de divino enlaçando aquelas quatro asas... Sua simples presença já para o tempo, prende a atenção e inicia uma viagem onde buscamos despertares internos para serem ritualizados naquele momento. De tão sublimes, tiram pra dançar o que guardamos no peito e vão embora. Por isto, um motivo mais do que justo, considero de um auspício incalculável recebê-las em minha casa (corpo) no momento de sua morte. Me sinto honrada com o que é para mim uma demonstração de confiança, de entrega a compaixão, ao desconhecido conhecido que existe em todos nós. A primeira vez que nos falamos foi a três anos atrás, quando eu morava ainda no Sul. Estavámos na Olga, nossa casa-mulher, e uma euforia inesperada do nosso gato me chamou a atenção. Ao chegar mais perto, me dei conta de que o brinquedo que o entretinha era uma libélula, marrom, linda, ofegante.Afastei o gato dali e fiquei com ela na mão, esperando que seu susto passasse e ela fosse embora, como é da natureza da beleza. Mas ela andou uns passitos, naquele andado de vento beijado que os insetos tem, ficou ali por mais uma hora e morreu. Naquele exato instante, em que nós virávamos uma, eu pude quase escutar o que ela me dizia, a afeição calada que ela me dedicava, e agradeci. Ali mesmo, casei. Essa libélula ficou marcada em mim e na minha pele como o meu mais secreto e visível segredo. Algo de mágico irrompeu-se nesse dia, pois de tempos em tempos o Cosmos me presenteia com insetos, desfalecentes ou falecidos, na palma da mão. É engraçado isso, me pergunto se eu sou uma pessoa que atrai insetos moribundos ou se é porque eu os percebo. De nada adianta saber, para mim eles são a mais nobre estirpe de mensageiros, trazendo calados os recados mais enovelados da minha alma por completo. Descobri que quando uma borboleta morre, todo o corpo é devorado pelas formigas, menos as asas. E uma delas se enfiou embaixo do meu sofá e lá ficou, até o dia da faxina onde encontrei um par de asas negras com rosa flutuando terra abaixo. Nesse dia, descobri que o que é ilusório se deteriora, que a beleza espiritual construída por cada um de nós segue além. Sorte grande, aí tem Coisa de Deus no meio... E Ele sabe ser doce, ser poetinha com as palavras e seres, traçar mapas do tesouro onde o fim e o começo dão em um mesmo lugar, mas tão diferentes.
E a cada grande início, a cada passo firme,elas vem me anunciar as boas novas, vem lustrar o que brilha e pintar meu rosto com o vermelho da certeza. Hoje conheci mais uma libélula, grande,dourada, morreu abrindo as asas para dar um grande vôo, talvez o maior de sua vida. Bem de frente à mim, aos meus pés, na porta da clínica onde eu adentraria para iniciar o movimento mais inesperado dos últimos dias, pairava uma alegria contida, um rubor que passeia em meu rosto desde que a paixão chegou. Colhi essa menina com a delicadeza de quem vê um anjo, mil vezes agradeci. Ela está aqui comigo, e assim ficará por muito tempo. Agora é hora, mama, vou voar, e já volto.

20 January, 2011

reimando




Escutando Sinatra, recordo toda a pompa que meu pai idolatrava ouvir em uma música. Uma voz grave, sinfonias e um piano empostado. Os ritmos de se dançar de par que tanto o agradavam. Bate uma saudade de ouvi-lo aumentar desconcertantemente a vitrola até seu Julio Iglesias gritar. Daquele espirro estrondoso que assustava os despreparados e das doses extras de força que fazia para realizar cada mínima tarefa diária. Assim como o esvaecer da força sobrehumana que fez para manter-se vivo até a noite de ontem, as 22h. Era verdade, tudo era verdade, meu Deus, as frases que habitavam minha cabeça sobre o que eu acredito, descubro-as encabulada habitando meu coração de forma tão profunda que me surpreende. Sinto a pele fria da minha dúvida ir embora junto ao caixão que se fecha, pás de terra sendo jogadas em cima de minha própria incerteza. Algumas lágrimas rolaram, muitos sorrisos saltaram. Meu Homem se foi, mas me habita. Minha Mulher acorda, mas ela sempre esteve aqui. E amanhã o sol nascerá distinto, sendo tão eternamente o mesmo, depois desta feliz Lua Cheia de Sagitário, limpando navegosa os excessos de sofrer. Obrigada.

19 January, 2011

Reifardo




Ao chegar em minha terra, sob circunstâncias tão específicas, senti o calor me pesar na cabeça como se fossem 30 sóis. Em menos de 02 dias, a saúde de meu pai declinou de tal maneira que todo minuto parecia ser O Minuto. No mesmo dia fui ao hospital, de branco no corpo e amarelo na alma, ver com meus olhos aquele que me chamava. E quem vi foi um homem magérrimo, de ossos incrivelmente expostos, pele seca e manchas de sangue coagulado pelos braços, rosto caveiroso e olhos tão fundos, perdidos em espasmos e viagens de morfina. Engolindo seco, peguei sua mão e massageei-lhe a testa e o peito; com tantos ossos do seu esterno em meus dedos, mirei sua íris acinzentada e desabei num soluço que não pude segurar, nem queria. Era ele, era a Hora. 

Ao choque do primeiro momento, amanhecia o dia quando soube que amigos se encontrariam para meditar, e resolvi ir. Algo me dizia que indo até lá, eu ajudaria mais meu pai do que estando com ele fisicamente.
Após todos os saludos, inicia-se a Viagem. E nos meandros escuros dos meus pensamentos, vejo meu pai, que dorme e sorri o sorriso desdentado,como o que me dava todos os dias pela manhã. E então ecoa..

 Rena, eu tou tão cansado...

Ecoa.

Pois vai...

 É.... acho que eu vou...

Horas mais tarde, no hospital, um sorriso brota em meio às alucinações, pela primeira vez em meses. Percebo que aquele sorriso nos agradecia.. "Ei, que bom te ver", e colocamos nossas mãos no coração, e num abraço, repito: "pois vai".  Um toc-toc leve atrás de mim, meu irmão chama. Talvez não passe dessa noite. E finalmente entendi. Pois vai.. acho que é Agora.

09 January, 2011

Rei De Mim


Apó um ano de muitas mudanças, geográficas e mentais, onde minhas formas de ver e limites foram levados até o limite ( será?), retorno a São Paulo repensando a vida como um todo, e percebo quaté então eu não a via como um todo, mas sim como fragmentos orbitando sob a mesma Certidão de Nascimento. Finco pés em solo decidida a conduzir todos os caminhos para rumo do meu bem quisto, com uma grande luz brilhando em cima da minha "qualidade de vida", que foi o titulo que dei ao que buscava nesse primeiro momento. Observei que quase tudo que eu vivia era tão sintético e distante de quem eu sabia minimamente que residia dentro de mim. E eu desejei, fortemente, que mnha vida mudasse. Dias foram dados e meu pedido foi atendido, e eu me assustei. Iniciou-se a fase mais louca e bailante da minha vida, onde meus dias eram danças de véu de muitas surpresas e loucas decisões-de-05-minutos. Perdi a casa, o emprego, a paciência. Decidi me despir, naquele momento de fogueira, de tudo que eu estava somente suportando, atirei as cucuias tudo que não me soava agradável. Percebo agora que algo se repete em minha vida, algo que a vida quer me mostrar e eu nunca a percebo, ou a percebo por alguns instantes e me esqueço de novo: A minha forma totali e solitária de conduzir as decisões mais sérias da minha vida. Mas, percebo agora um outro lado disso tudo qu eu mais uma vez não tinha percebido antes: que na verdade eu sou enormemente dependente de todo mundo à minha volta. Percebo que as frases que direcionei ultimamente à meu pai, como a grande descoberta que eu fiz acerca da personalidade dele é, mais uma vez, uma percepção acerca da minha própria. Eu sou exatamente assim. Refletindo agora, eu percebo que eu não compro uma batedeira sem consultar ao Jackson, que eu não boto um pé pra fora de casa sem ligar pa minha mãe e para a minha irmã e saber o que elas acham. Percebo que, durante todo esse tempo, circulou pelo meu ego a mensagem da minha super independência e do quão forte e destemida eu era, quando na verdade as qualidades que me cabem tem outros nomes, que não forte e destemida. Impetuosa, Impulsiva, talvez. Mas na verdade, eu percebo que eu esperneio, que eu choro e grito quando não sei o que fazer, quando meu corpo esá indo para um limite que eu desconheço. Eu tenho muitos medos. E eu ,na verdade, preciso sim ser ajudada, preciso ouvir conselhos, fico sem saber para onde ir e tem dias em que tudo que eu quero é um colo. Eu descubro dia após dia que eu não sou uma fortaleza, essa parede que eu aprendi a fingir ser pelas experiências que eu tive na minha vida. Eu sou uma menina. Menina. E a descoberta da minha energia feminina foi um outro vórtice na minha novela, porque eu até então não tinha dado conta de que sim, eu a portava. Percebo, no meio desse sofrimento que eu vivencio agora e desse novo fato tamásico que é estado grave de saúde de meu pai, que ele mais uma vez me ensinou quem eu sou. Através dele, e do que ele tem de insuportável, minha sensibilidade vinda da energia feminina se apercebeu do que nos conecta, do porque esse jeito de ele ser me incomodava tão profundamente. Ele era Eu. E ele sempre será eu, pois eu sempre carregarei em mim uma parte do que ele é, está aqui, entranhado na minha carne e na minha alma a diluição da alma dele. Esse foi o presente que Ele e minha mãe me deram, muito antes de me darem a vida. Antes desse mínimo momento onde o embrião nasce, os corpos doara suas energias com toda sua história dentro delas. E eis que eu brotei. Tudo isso é um tapa na cara da minha arrogância, isso vai contra tudo que eu senti a vida toda, eu que me achava injustiçada, incompreendida, destemida e bruta. E eu, mentalizando e raconalizando tudo, me caio em prantos pensando sobre a minha própria fraqueza, sobre o meu Grande Referencial na Vida que agora mesmo tão calado me ensinou outra vez. Lembro do choque que eu tive quando o vi daquele jeito, cheio de tubos, pálido, calado e com um olhar tão perdido, largado numa cama de hospital esperando a morte chegar. Eu procurei nos fiapos daquele olhar o homem que eu conheci, com quem eu me digladiei a vida inteira, lutando pelo meu próprio espaço, aquele homem que era tão Eu. O que eu encontrei foi um homem que cansou. Um homem que se deu por satisfeito e agora só aguarda. Não saberei jamais o que se passa na cabeça dele, ao perceber que a própria vida está prestes a se findar. Sua voz não fala mais, seus olhos também não. E dentro daquela entrega, eu encarei o próprio silêncio em mim. Afinal de contas, o que sou eu diante da imensidão da Vida? Eu sou uma parte, que se esquece de si e do todoe leva os encaixes tão a sério em sua geometria que não me animo com o encaixe em si. Percebo-me perdida, talvez ainda tentando achar por mim mesma, sem a loucura dominadora do meu pai que me encaminhava às respostas. Agora sou Eu, inteiramente, que devo aliar minha mente e meu coração para prestar essa reverência última ao Homem que eu mais amei. Quero sentir com o meu centro o que navega nas minhas idéias sobre morte, e acalmar esse choro desacalentado que se instalou por esses dias. Meu Eu Essencial sabe que ele cumpriu sua missão, que tudo é fruto de suas escolhas, que cada ser tem seu plano divino traçado e suas dificuldades a serem superadas durante a vida. Mas o Ego diz "Nãaaaaaaaao, não quero, não posso, pra quê?", que na verdade significa " Eu não pedi por isso, isto independe de mim, Eu não posso fazer nada contra isso". E não posso mesmo. Porque isso é da Saga Divina, dos Planos do Supremo. Eu em nada interfiro, eu, como filha, de meu pai físico e de meu pai espiritual, só posso seguir nessa vida, contemplando os brotos de tudo que desabrochará em amor e reverenciando à sabedoria do que rege o Todo. Somos partes, desse Todo. E nosso Grande Maestro conduz a finitude de um aspecto que não é a finitude eterna. Até porque o eterno não tem começo nem fim. Ele simplesmente existe.



Que o Amor se expanda em nossos corações e que abracemos as sementes dos novos bem querer.