13 February, 2011

Um suspiro




Quem me conhece sabe o quanto as libélulas me são sagradas. Aliás, nem precisa me conhecer, basta olhar pra elas para sentir o vestígio de divino enlaçando aquelas quatro asas... Sua simples presença já para o tempo, prende a atenção e inicia uma viagem onde buscamos despertares internos para serem ritualizados naquele momento. De tão sublimes, tiram pra dançar o que guardamos no peito e vão embora. Por isto, um motivo mais do que justo, considero de um auspício incalculável recebê-las em minha casa (corpo) no momento de sua morte. Me sinto honrada com o que é para mim uma demonstração de confiança, de entrega a compaixão, ao desconhecido conhecido que existe em todos nós. A primeira vez que nos falamos foi a três anos atrás, quando eu morava ainda no Sul. Estavámos na Olga, nossa casa-mulher, e uma euforia inesperada do nosso gato me chamou a atenção. Ao chegar mais perto, me dei conta de que o brinquedo que o entretinha era uma libélula, marrom, linda, ofegante.Afastei o gato dali e fiquei com ela na mão, esperando que seu susto passasse e ela fosse embora, como é da natureza da beleza. Mas ela andou uns passitos, naquele andado de vento beijado que os insetos tem, ficou ali por mais uma hora e morreu. Naquele exato instante, em que nós virávamos uma, eu pude quase escutar o que ela me dizia, a afeição calada que ela me dedicava, e agradeci. Ali mesmo, casei. Essa libélula ficou marcada em mim e na minha pele como o meu mais secreto e visível segredo. Algo de mágico irrompeu-se nesse dia, pois de tempos em tempos o Cosmos me presenteia com insetos, desfalecentes ou falecidos, na palma da mão. É engraçado isso, me pergunto se eu sou uma pessoa que atrai insetos moribundos ou se é porque eu os percebo. De nada adianta saber, para mim eles são a mais nobre estirpe de mensageiros, trazendo calados os recados mais enovelados da minha alma por completo. Descobri que quando uma borboleta morre, todo o corpo é devorado pelas formigas, menos as asas. E uma delas se enfiou embaixo do meu sofá e lá ficou, até o dia da faxina onde encontrei um par de asas negras com rosa flutuando terra abaixo. Nesse dia, descobri que o que é ilusório se deteriora, que a beleza espiritual construída por cada um de nós segue além. Sorte grande, aí tem Coisa de Deus no meio... E Ele sabe ser doce, ser poetinha com as palavras e seres, traçar mapas do tesouro onde o fim e o começo dão em um mesmo lugar, mas tão diferentes.
E a cada grande início, a cada passo firme,elas vem me anunciar as boas novas, vem lustrar o que brilha e pintar meu rosto com o vermelho da certeza. Hoje conheci mais uma libélula, grande,dourada, morreu abrindo as asas para dar um grande vôo, talvez o maior de sua vida. Bem de frente à mim, aos meus pés, na porta da clínica onde eu adentraria para iniciar o movimento mais inesperado dos últimos dias, pairava uma alegria contida, um rubor que passeia em meu rosto desde que a paixão chegou. Colhi essa menina com a delicadeza de quem vê um anjo, mil vezes agradeci. Ela está aqui comigo, e assim ficará por muito tempo. Agora é hora, mama, vou voar, e já volto.