18 November, 2015

castelo lego

Já tem algum tempo que as coisas andam estranhas. Um certo descompasso, dúvidas nunca antes tidas, que de repente viraram assombro. Iniciar uma nova carreira do zero excita e tortura, e, como sempre, entro no redemoinho do “não sou boa em nada”. Tenho tentado fugir dele e me encantar pelo novo, lascar devagarzinho o gesso da rotina que já subia pelas pernas. Às vezes funciona, às vezes não. Mas uma coisa fez pouso nas minhas ideias, e por ali ficou: traçar meu próprio caminho. Ser capaz de me dar satisfação, material ou não.
Em minha curta vida amorosa, coletei alguns amores-mochila, que se ajustavam às minhas costas e ali ficavam, confortáveis e pesados, felizes em me conceder o manche das chatices da vida. E ali embaixo, eu sorria, cansada e sozinha, reproduzindo o que vi em casa a vida toda, uma mulher sobrecarregada, em silêncio. Mas em algum momento, algo mudou. E esse ‘não querer mais’ trouxe perfumes novos, quiçá mais leves. Um novo amor surge, com uma força masculina real, enérgica e o melhor, independente.
Feliz de não ser mais o burro de carga, me deleito nos prazeres de um estar assim mais leve. E imagino futuros, que bailam vibrantes até esbarrar em um tabu que eu desconhecia: filhos. Mas porque pensar nisso? Eu, seduzida pela minha própria sombra, entrei num embate interno, motivada pelos planos do novo amor (não comigo, pelo menos até agora) de ser o pai do ano. E descubro que, na minhas memórias, a maternidade pesa toneladas. Tentei imaginar a situação, pra ver como eu me sentiria. O que vi foi a mim mesma, impaciente e sufocada, alienada de mim mesma e do mundo, e o pior, completamente sozinha.
Imaginei meu marido, sarado, me deixando meses após o parto, com sua nova namorada, intelectual e viajada, rodando o mundo em passeios divertidos e enriquecedores. E eu, com a criança, tendo aberto mão do meu corpo, de conhecer novos lugares, novas pessoas, despida de minha sexualidade por ser “mãe”, e sempre, sozinha. Pode ser um puta drama de quem não sabe o que tá falando ( na verdade, pode até ser isso), o que me intrigou foi ter visto um cenário tão catastrófico associado a maternidade, zanzando pelo meu inconsciente.
Me debati com isso por meses (pasme!), até que desisti. Do quê? De chegar em algum lugar, de puxar o fio desse novelo. Afinal, isso pode nem ser necessário. Eu posso nunca ter a necessidade de decidir sobre isso.
Guardar a caixinha desta fixação teve um efeito engraçado. Fichas que estavam suspensas, começaram a gotejar, rumo ao chão. Por mais que me ame, ele não pode prometer ficar comigo para sempre, ser sempre meu amor, nessa e em qualquer batalha . Preciso estar inteira e serena em qualquer decisão, grande ou pequena, porque se os caminhos se separarem, terei broncas inteirinhas para chamar de minhas. Pensar nisso me levou a entender que eu posso não fazer parte do futuro dele, por outros amores ou até por outros planos, que não contem comigo assim como eu contava com ele. Ou talvez o futuro dele não seja o futuro que quero pra mim, porque não? Vai saber… Aos poucos, me lembro que preciso construir meu caminho, minha carreira, minha prosperidade, eu mesma. Preciso ser capaz de construí-la com minhas mãos, pois posso ter que andar sozinha, por muito tempo ainda.
Aos poucos, descolo meu futuro da possibilidade dele, e tento engatar sonhos e planos para mim, por mim. Eu sei, é uma daquelas frases feitas que a gente diz pra amigas chorosas, com tons de obviedade. Mas quando se está entregue a amar alguém, não é nada óbvio, ou simplesmente a gente pode perder a mão. Eu quero esta força, de seguir sozinha e determinada. Quero achá-la de volta, porque ela já morou em mim tempos atrás. Vasculho minhas florestas, procurando vestígios, e pergunto: Cadê ela? Foi viajar. Mas deixou um bilhete na porta, escrito “Volto já”. Pode sorrir e continue a andar.

26 September, 2011

t.R.I.P.









Faltei o trabalho, sujei toda a louça, o relógio que pare. Minha cabeça dá voltas e voltas tentando segurar as pontas e tomar idéia de tudo que passa. O quimo de feridas velhas se confunde com a folhagem do novo; fortes e inesperadas luzes palpitam por todos os lados. Do ventre da terra, o corpo no mundo. Ele, ele, ele, e todos os seus pedaços. O que ele jorra pra fora, o que ele sangra pra dentro. Desmatar-se e enxergar a crueldade que me habita, mas que não me pertence, falada e cuspida em vozes que se camuflam de minhas, mas não o são. Me olho, e vejo uma mulher cohabitada de pontiagudos, de violências que engoli e transformei no meu modo de falar comigo, sempre na base do tapa. Até que o pior aconteceu e eu passei a aceitar a violência como parte da vida. E me moldei passível e inerte, acolhendo os estranhamentos como algo que eu merecia, por ser assim. Assim como? E eu chorava. Mas assim como? E eu engolia. O tempo passou, eu me distraí com outros brinquedos divertidos, que se equilibravam feridosamente em cima das lanças dessa infância, que tinha poeira e roupas por cima, mas que continuava lá, estáquica. De uns tempos pra cá, a vida em si começou a afiar essa ponta, a me cutucar o espírito pedindo medidas, sacudindo-me desse cinza. Novamente, fui conduzida a um extremo de tristeza e descrença, e só nesse raso eu consegui enxergar e assumir essa múmia , que eu silenciosamente alimentava, crente dela. Sucessões de fatos e pessoas foram brotando, dos chãos e das paredes, com tantas e novas cores, sem limites nem bordas. Ondina, fui me deixando bailar, encantada desses mundos além, onde amar não é medo, o toque é um continente e o carinho um alimento. Ah que beleza mais linda! Eu te toco, tu me abraça,eu me aninho e nós dormimos abertos e nus, destemidos dos sentimentos, banhados nesse abraço coletivo, enamorados sem pavor e sem vergonha. O pudor não me assusta, a moralidade não me é um muro. Mas as estacas.... ah as estacas. Elas sim. Submergiram milenares em suas falsas verdades, prendendo minha atenção novamente no meu corpo. Meu. Corpo. Esse monte de tripas momentâneas que vai tão além dos limites sanguíneos. Andei, andei até onde eu pude, e me entreguei ao final de tudo, cansada, chorosa, esvaída, mas feliz. Andei até onde minhas longas pernas de agora me permitiram, e muito em breve essas mesmas pernas correrão junto do meu lúdico , que quer se jogar nos braços mil dos andróginos que somos. O aprendizado que é a libertação da memória. Olho para os lados e minhas lavandas dançam na janela, a cada brisa que chega. Manjericãos em flor e o Sol. Chegou a Primavera-de-mim, e eu brindo a ela sorrindo nosso suspiro, mostrando os dentes que já não são só meus, mas da boca do nosso amor,pelado das propostas. A Revolução de amar assim, Libertado.

02 August, 2011

trâmo









 Em meu corpo-cidade habitam homens, mulheres, crianças, passarinhos. Bailam todas as plantas que nasceram e nasceriam neste corpo que é palco! Nele, se sorri por nada e nunca se sai de cena. Nele, cirandam os homens que cravaram bandeiras no meu ventre e partiram; Cirandam mulheres, com dedos finos e vozes altas. Correm por minhas costas barulhentas e coloridas os filhos que não tive, as crianças pé-sujo das risadas fartas e bolas perdidas. Em meu ombro, uma casinha amarela com um pé de jambo, onde mora meu pai e seus cigarros, mamãe e seus silêncios. Uma casinha de panelas ao chão e tangos ao alto.  E tudo isso que em mim reside é leve, é parte. E eu, que encontrei tanto amor, tanto sorriso de graça, chorei de saudade. De cada um que esbarrei, ganhei presentes, troquei partes. A vida corria livre,despenteada. À esses dias, eu rendo meu corpo, dou minha beleza maior. A pureza de estarmos juntos, livres, de sermos tão delicados em nossos elos. E vieste, pálido e alto. Vieste, ruiva e fogo. E esses dias tão intensos agora se confundem com as pernas de São Paulo, tão estampadas e brilhantes, com longos calcanhares de cimento e trânsito. Um momento, eu preciso de ar fresco. Pra entender onde estou e o quê de mim foi feito. Enquanto isso, rios se encontram, carros se aglutinam sob o farol, o tempo fita. Libertando, libertemos.

18 May, 2011

sueño


As pontas dos dedos escapam nas tuas tantas peles e se rumam às tuas curvas, de um jeito demente e saudoso que eu só mesmo lembro. O topo dos teus seios, as nuances das tuas coxas, todo o conjunto de sutileza que teu corpo cultiva por vezes me rebenta de saudades, de almejos de estar outra vez por estes mesmos espaços. Eu habito teu beijo a cada nova semana, enquanto a TV te parece cada vez mais sem sentido. Tu desliza o xadrez da minha camisa enquanto faço compras pro jantar de sexta. Busco tuas pistas nos olhares perdidos de moças que nem sequer me olham, salivo teus ombros no intervalo de um filme qualquer. Tu não existe, mas estás de forma tão castanha e acinturada na minha sala que parece ser romance na madrugada.
Cheiro doces, pele finas, pulsos fracos. Me faz falta te reclamar cuidado, te romper os zelos com minha força bruta. Me dão saudades as finuras, me lamentam as finezas. Voltem, queridas, que eu as sigo todo o sempre, no rebolado das escadas, nos abraços de corredor. Nosso sexo pinta paredes enquanto morrem as horas. Até breve? Até quando.

13 February, 2011

Um suspiro




Quem me conhece sabe o quanto as libélulas me são sagradas. Aliás, nem precisa me conhecer, basta olhar pra elas para sentir o vestígio de divino enlaçando aquelas quatro asas... Sua simples presença já para o tempo, prende a atenção e inicia uma viagem onde buscamos despertares internos para serem ritualizados naquele momento. De tão sublimes, tiram pra dançar o que guardamos no peito e vão embora. Por isto, um motivo mais do que justo, considero de um auspício incalculável recebê-las em minha casa (corpo) no momento de sua morte. Me sinto honrada com o que é para mim uma demonstração de confiança, de entrega a compaixão, ao desconhecido conhecido que existe em todos nós. A primeira vez que nos falamos foi a três anos atrás, quando eu morava ainda no Sul. Estavámos na Olga, nossa casa-mulher, e uma euforia inesperada do nosso gato me chamou a atenção. Ao chegar mais perto, me dei conta de que o brinquedo que o entretinha era uma libélula, marrom, linda, ofegante.Afastei o gato dali e fiquei com ela na mão, esperando que seu susto passasse e ela fosse embora, como é da natureza da beleza. Mas ela andou uns passitos, naquele andado de vento beijado que os insetos tem, ficou ali por mais uma hora e morreu. Naquele exato instante, em que nós virávamos uma, eu pude quase escutar o que ela me dizia, a afeição calada que ela me dedicava, e agradeci. Ali mesmo, casei. Essa libélula ficou marcada em mim e na minha pele como o meu mais secreto e visível segredo. Algo de mágico irrompeu-se nesse dia, pois de tempos em tempos o Cosmos me presenteia com insetos, desfalecentes ou falecidos, na palma da mão. É engraçado isso, me pergunto se eu sou uma pessoa que atrai insetos moribundos ou se é porque eu os percebo. De nada adianta saber, para mim eles são a mais nobre estirpe de mensageiros, trazendo calados os recados mais enovelados da minha alma por completo. Descobri que quando uma borboleta morre, todo o corpo é devorado pelas formigas, menos as asas. E uma delas se enfiou embaixo do meu sofá e lá ficou, até o dia da faxina onde encontrei um par de asas negras com rosa flutuando terra abaixo. Nesse dia, descobri que o que é ilusório se deteriora, que a beleza espiritual construída por cada um de nós segue além. Sorte grande, aí tem Coisa de Deus no meio... E Ele sabe ser doce, ser poetinha com as palavras e seres, traçar mapas do tesouro onde o fim e o começo dão em um mesmo lugar, mas tão diferentes.
E a cada grande início, a cada passo firme,elas vem me anunciar as boas novas, vem lustrar o que brilha e pintar meu rosto com o vermelho da certeza. Hoje conheci mais uma libélula, grande,dourada, morreu abrindo as asas para dar um grande vôo, talvez o maior de sua vida. Bem de frente à mim, aos meus pés, na porta da clínica onde eu adentraria para iniciar o movimento mais inesperado dos últimos dias, pairava uma alegria contida, um rubor que passeia em meu rosto desde que a paixão chegou. Colhi essa menina com a delicadeza de quem vê um anjo, mil vezes agradeci. Ela está aqui comigo, e assim ficará por muito tempo. Agora é hora, mama, vou voar, e já volto.

20 January, 2011

reimando




Escutando Sinatra, recordo toda a pompa que meu pai idolatrava ouvir em uma música. Uma voz grave, sinfonias e um piano empostado. Os ritmos de se dançar de par que tanto o agradavam. Bate uma saudade de ouvi-lo aumentar desconcertantemente a vitrola até seu Julio Iglesias gritar. Daquele espirro estrondoso que assustava os despreparados e das doses extras de força que fazia para realizar cada mínima tarefa diária. Assim como o esvaecer da força sobrehumana que fez para manter-se vivo até a noite de ontem, as 22h. Era verdade, tudo era verdade, meu Deus, as frases que habitavam minha cabeça sobre o que eu acredito, descubro-as encabulada habitando meu coração de forma tão profunda que me surpreende. Sinto a pele fria da minha dúvida ir embora junto ao caixão que se fecha, pás de terra sendo jogadas em cima de minha própria incerteza. Algumas lágrimas rolaram, muitos sorrisos saltaram. Meu Homem se foi, mas me habita. Minha Mulher acorda, mas ela sempre esteve aqui. E amanhã o sol nascerá distinto, sendo tão eternamente o mesmo, depois desta feliz Lua Cheia de Sagitário, limpando navegosa os excessos de sofrer. Obrigada.

19 January, 2011

Reifardo




Ao chegar em minha terra, sob circunstâncias tão específicas, senti o calor me pesar na cabeça como se fossem 30 sóis. Em menos de 02 dias, a saúde de meu pai declinou de tal maneira que todo minuto parecia ser O Minuto. No mesmo dia fui ao hospital, de branco no corpo e amarelo na alma, ver com meus olhos aquele que me chamava. E quem vi foi um homem magérrimo, de ossos incrivelmente expostos, pele seca e manchas de sangue coagulado pelos braços, rosto caveiroso e olhos tão fundos, perdidos em espasmos e viagens de morfina. Engolindo seco, peguei sua mão e massageei-lhe a testa e o peito; com tantos ossos do seu esterno em meus dedos, mirei sua íris acinzentada e desabei num soluço que não pude segurar, nem queria. Era ele, era a Hora. 

Ao choque do primeiro momento, amanhecia o dia quando soube que amigos se encontrariam para meditar, e resolvi ir. Algo me dizia que indo até lá, eu ajudaria mais meu pai do que estando com ele fisicamente.
Após todos os saludos, inicia-se a Viagem. E nos meandros escuros dos meus pensamentos, vejo meu pai, que dorme e sorri o sorriso desdentado,como o que me dava todos os dias pela manhã. E então ecoa..

 Rena, eu tou tão cansado...

Ecoa.

Pois vai...

 É.... acho que eu vou...

Horas mais tarde, no hospital, um sorriso brota em meio às alucinações, pela primeira vez em meses. Percebo que aquele sorriso nos agradecia.. "Ei, que bom te ver", e colocamos nossas mãos no coração, e num abraço, repito: "pois vai".  Um toc-toc leve atrás de mim, meu irmão chama. Talvez não passe dessa noite. E finalmente entendi. Pois vai.. acho que é Agora.