Já tem algum tempo que as coisas andam estranhas. Um certo descompasso, dúvidas nunca antes tidas, que de repente viraram assombro. Iniciar uma nova carreira do zero excita e tortura, e, como sempre, entro no redemoinho do “não sou boa em nada”. Tenho tentado fugir dele e me encantar pelo novo, lascar devagarzinho o gesso da rotina que já subia pelas pernas. Às vezes funciona, às vezes não. Mas uma coisa fez pouso nas minhas ideias, e por ali ficou: traçar meu próprio caminho. Ser capaz de me dar satisfação, material ou não.
Em minha curta vida amorosa, coletei alguns amores-mochila, que se ajustavam às minhas costas e ali ficavam, confortáveis e pesados, felizes em me conceder o manche das chatices da vida. E ali embaixo, eu sorria, cansada e sozinha, reproduzindo o que vi em casa a vida toda, uma mulher sobrecarregada, em silêncio. Mas em algum momento, algo mudou. E esse ‘não querer mais’ trouxe perfumes novos, quiçá mais leves. Um novo amor surge, com uma força masculina real, enérgica e o melhor, independente.
Feliz de não ser mais o burro de carga, me deleito nos prazeres de um estar assim mais leve. E imagino futuros, que bailam vibrantes até esbarrar em um tabu que eu desconhecia: filhos. Mas porque pensar nisso? Eu, seduzida pela minha própria sombra, entrei num embate interno, motivada pelos planos do novo amor (não comigo, pelo menos até agora) de ser o pai do ano. E descubro que, na minhas memórias, a maternidade pesa toneladas. Tentei imaginar a situação, pra ver como eu me sentiria. O que vi foi a mim mesma, impaciente e sufocada, alienada de mim mesma e do mundo, e o pior, completamente sozinha.
Imaginei meu marido, sarado, me deixando meses após o parto, com sua nova namorada, intelectual e viajada, rodando o mundo em passeios divertidos e enriquecedores. E eu, com a criança, tendo aberto mão do meu corpo, de conhecer novos lugares, novas pessoas, despida de minha sexualidade por ser “mãe”, e sempre, sozinha. Pode ser um puta drama de quem não sabe o que tá falando ( na verdade, pode até ser isso), o que me intrigou foi ter visto um cenário tão catastrófico associado a maternidade, zanzando pelo meu inconsciente.
Me debati com isso por meses (pasme!), até que desisti. Do quê? De chegar em algum lugar, de puxar o fio desse novelo. Afinal, isso pode nem ser necessário. Eu posso nunca ter a necessidade de decidir sobre isso.
Guardar a caixinha desta fixação teve um efeito engraçado. Fichas que estavam suspensas, começaram a gotejar, rumo ao chão. Por mais que me ame, ele não pode prometer ficar comigo para sempre, ser sempre meu amor, nessa e em qualquer batalha . Preciso estar inteira e serena em qualquer decisão, grande ou pequena, porque se os caminhos se separarem, terei broncas inteirinhas para chamar de minhas. Pensar nisso me levou a entender que eu posso não fazer parte do futuro dele, por outros amores ou até por outros planos, que não contem comigo assim como eu contava com ele. Ou talvez o futuro dele não seja o futuro que quero pra mim, porque não? Vai saber… Aos poucos, me lembro que preciso construir meu caminho, minha carreira, minha prosperidade, eu mesma. Preciso ser capaz de construí-la com minhas mãos, pois posso ter que andar sozinha, por muito tempo ainda.
Aos poucos, descolo meu futuro da possibilidade dele, e tento engatar sonhos e planos para mim, por mim. Eu sei, é uma daquelas frases feitas que a gente diz pra amigas chorosas, com tons de obviedade. Mas quando se está entregue a amar alguém, não é nada óbvio, ou simplesmente a gente pode perder a mão. Eu quero esta força, de seguir sozinha e determinada. Quero achá-la de volta, porque ela já morou em mim tempos atrás. Vasculho minhas florestas, procurando vestígios, e pergunto: Cadê ela? Foi viajar. Mas deixou um bilhete na porta, escrito “Volto já”. Pode sorrir e continue a andar.