15 September, 2006

carta-ação

“( Pássaros em CD.)


Querida Aretha,


Como vai o Brasil? Na Rússia, as coisas parecem não ter fim..Tanta água, mares de concreto, um frio que percorre os ossos feitos guardiões do Estado. Não se fala muito em Estado aqui... sabe-se lá porquê, só sei que prefiro calar. E a vida aqui é assim: Calando-se, baixando as vistas, sem aquela algazarra de vozes incertas da nossa terra mãe. Não que isso seja ruim, só esse aquecimento global que me derrete aos poucos e logo me fará poça... E pensar que saí daí tão cheio de sonhos, tão destiladamente humano trazendo nos bolsos 10 cents e minha vida. E essa minha água evaporou. Foi-se.
Pupilas dilatadas.Preciso de um porquê.Usei heroína. Viciado em heroína. Preciso dela todo dia, pra me erguer em pé. Sem ela,não passo de um homem. Com ela,vivo dragões e castelos. E ainda a espero. Injeto nas veias a fantasia dessa mulher que me percorre o corpo espalhando intentos de espelhos mágicos, espero essa musa que me sussurra os segredos do Rei. Ela, heroína. Que se esconde do meu farejo. Inalo,cheiro, e tudo que exalo é poeira.
Entorto colheres nos tempos vagos. Minhas mãos já estão feridas. Gostaria de parar, pois já não tenho talheres,mas quanto mais tortos os garfos, mais o sabor se altera. E é isso que eu quero, é disso que eu preciso. Sim,aqui na Rússia a vida tem gosto de saco. Taque uns cabelos na boca e deguste o meu ensopado.
Saiu mais um foguete. Sonhei que soltava pipa. Existe pipa no Brasil? Não sei,não gosto muito do Brasil...coisas que terminam com ‘L’ me dão nos nervos, tem um som fechado no final que faz-me sentir um monstro... mas pelo menos aí tem negros, a palidez rosácea dos russos é entediante...Agora tudo tem reticências...maldito Brasil....
Agora eu me vou,pois toca a campainha. Não deve ter mais ninguém, tocaram e gritaram, e ouvi passos na escada enquanto falava mal do Brasil..Mas vou lá assim mesmo,pois da mesma forma que eu não falava (eu escrevia), o alguém pode não ter-se ido embora ( só me tapeado)..não é?
Meu primeiro erro. Odeio não ter a borracha, aquela que apaga Tudo. Lá na Amazônia tem borracha e eles levam pessoas pra tirá-la de lá. Umas lembranças que tenho é um filme sobre esses escravos do leite... no Tempo dos Reis..Querem apagar o Brasil. Por mim tudo bem, aí não tem foguete. Mas vocês tem as melhores colheres do mundo. E o abraço. É fato.
Como eu dizia, vou à porta, ser meu próprio carteiro. Vou me escrever uma carta de amor tão linda que me fará chorar...lindo ao ler a minha heroína chegar, mansa em sorrisos. “ Rrêio!” opa, sou russo agora. E vou-me.


Péricles.”

1 comment:

Renata said...

meu querido Péricles.