11 September, 2006

Conto em dedos


Ah, esse mais do mesmo... quem vive num lugar desde que nasceu compartilha comigo a impressão azeda de que já viu tudo que tinha pra ver. Pessoas, lugares, situações. O ritmo da cidade se traduz, seus códigos não encantam mais. Eu achava que sabia.. Essa coisa de putas e gringos não é segredo para ninguém. Nossa cidade Fortaleza é um Forte de sacanagem. Com o estômago revirando dum enjôo, paramos num bar de reggae do coração raparigístico da província. Cabeças louras, ombros largos e pedaços de pele por todos os lados. Meus olhos não paravam, eu não conseguia parar. Assustada com pessoas que antes eu só lia, pessoas pra quem o sexo tem um outro significado. Enraivecida com essa gente que brinca de meretriz, vergonha por já ter feito essa piada antes. Ser puta,ser puta,ser puta...isso me perseguia.Uma mulata dessas "de exportação" senta na minha frente. Grandes olhos, lábios, peitos e cachos amontoados em decotes pretos e brilhos. Meu blazer e seu salto. Em confronto. Olhando continuamente pros lados, catando homem, inquieta pela 'do dia'. De repente, à esquerda. Olhos parados, finalmente. Língua em ação. Copos lambidos e dedos fálicos. Uma crueza de intenções sexuais grande demais pra mim. Essa oleosidade do desejo. Não pude ver com quem ela flertava,mas sei que desistiu. Ela não era puta pra qualquer um; era puta globeleza, carnuda e maliciosa. Em batalha novamente, bombardeio de papéis nos italianos ao lado. A da esquina gritava "Amore,amore". Não, isso não era para ela. Ela não grita, mas seus olhos berram. Tanta volúpia que transborda no nódulo de apertadinhas e arrombadas em torno da TV. Não a vi conseguir cliente, creio que fui embora antes disso. E enquanto meu rosto derretia pelo sono do bêbado, vi a Outra. A puta gordinha do interior,sem graça, de cabelos grandes e encaracolados como manda a regra do 'não me notem'. A putinha de sorrisso morno e sombra verde nos olhos de anta. "Ela tenta ficar bonita,ela tenta aparecer" pensei. E enquanto a gorda girava e ciscava em círculos e círculos meus olhos rodaram e o estômago cedeu. Eu as vomitei.

5 comments:

momento suspenso said...

esse texto tem a cara de fortaleza.

e isso eh muito foda!

consuelo said...

cara, maravilhoso. vou fazer um desenho para este.
a cidade me cansa................

entrei num casulo

beijos

thiago said...

lirismo regional!
muitobem.
keep on doing ;)

adoreyou :*

César said...

seu texto me lembrou a história de um gringo q foi morar na zona de salvador e, lá, ele ensinou as putas a falar uma espécie de "inglês instrumental". tipo: não se chega com um 'cliente' e fala "fuck! fuck!", fala-se "would you like to make love?".

é tão engraçado quanto trágico.

bjs!

Leonardo Alves said...

realmente, as vezes eu tenho essa impressão.. fortaleza está um caso sério.