23 September, 2006

Braille

Aaah, o espanhol tem me acompanhando tanto... essa língua, um rasgo no peito da gramática. Um nó na garganta, uma viola sempre triste e assim a música segue, num eterno amor de botequim. Sarjeta. Sempre o mesmo velho bar, o balcão, a banda acabando e o chão... ‘Um minuto da tua atenção, por favor, que ela me deixou...’ Uma quentura nas veias, uma baforada etílica e a vergonha. Minha lama se mistura aos pianos e esse drama todo finda numa tristeza geriátrica. Mas e como fico eu, que tenho apenas 20 anos? Háh, meus 20 anos já sentem as artroses cantadas por essas divas falidas... pois na América Latina cabe todas as minhas dores. Chorando pela boneca que não tive, pelo mendigo do lado, pela árvore cortada. Não importa os motivos, o que vale é minha dor. Sentir a música em sua plenitude, bebê-la os vícios e banhar-se dum sentimento que eu nem conheço.
E quando o chão parece ser o leito, uns requebrados me chamam a atenção. Uma impressão ciganóide no ar, uma vontade de sedução à volta. Todos saltam rumo à própria libido num estalar de fatos que só a um morto não animaria. Agora eu quero você assistindo esse show que ensaiei pra você, nesse exato momento. Sentir o calor da sua proximidade enquanto me sinto fêmea. É disso que preciso. Biologias.
Muda a banda, sobem rapazes chorosos. Dedico esta música de alma à você. Sem amarguras ou pedidos de volta. Porque agora te vejo como algo bom que se Foi. Homenageio nosso passado entre ombros e olhos cerrados. Sem cigarros, sem bebidas. Só as lembranças falam. Agradeço o que me deste de coração, pois te amei e sofri. Ainda amo. Mas de ti só espero nadas.
Nova música. Remelexos nas mãos e o quadril que não pára, o calor dos olhos que desafiam. O mais belo, A mais encantadora. Um ar brega de novela vagabunda. Um falso cabaré de cinema quarentista. Uma tão genuína alegria de ser assim tão livres leva pubericamente rumo uns aos outros num esfregar de partes e olhos incontíveis por estas paredes.A dios pido un poco de tiempo. E retorno ao inglês antes que minha alma exploda de tantos amores de botão.

18 September, 2006

frases bobas de saudade dos que partem

“ Existem pedaços da gente que a gente junta e forma um novo eu.

Sabonetes velhos e secos que, juntos, reafirmam multicoloridamente sua recém- unidade.


Búzios num vidro, que juntos formam um desenho de areia.


QUEIJO E PRESUNTO QUE SÃO MISTO QUENTE..

Pedaços ovados de luz que a gente guarda embaixo do travesseiro. Sempre cheios de luz.
Porque a tempestade não cessa, enquanto você me chover.


CAIXA DE VIDRO QUE É MÚSICA.


Não, não são as horas nem as importâncias. É tudo que foi mais o que seria.
Minha casa do lado da sua.
Nossa coleção de dominós.

NOSSO BAILADO.



As notas que fiz um dia e os crepes que vou aprender.

O piano que não cala aquela sala vazia.

É, companheiro...


ACHO QUE FIZ UMA MÚSICA DE VOCÊ. “

15 September, 2006

carta-reação

“ Querido P,


Deixa ela ir, Péricles. Deixa ela se juntar aos iguais. Lá vai ela. Vê? Sem armadura ou espadas, feito uma mulher comum. Porque Ela é comum, viu, Péricles? Co-mum. Amor pra você sou eu, mulher forte de braços longos. Teu escudo é meu peito, eu te protejo das sombras da vida afora. Vou para esse Gelo, me afogo e viro poça. Te acompanho. Te faço um só. Misturemos nossas águas, eu te desejo em mim.
Você estava encantado. Ela contou à todos mentiras de você. Sabia? Era feitiço, magia negra, essa qualquer não valeu-se de viver. Ela usa máscara, Péricles, eu também. Somos duas biscates num mesmo salão. Minha fantasia é fluida, é leve, como pena. Pena, Péricles, ouviu? Olha pra mim, deixa ela rodar as anáguas para outro mais promissor. Tu não tens o que ela quer, não entendes, homem? Ela quer posses, luxos, enfim. Eu? Háh, me basta ser torta, talher da tua mesa. Ser teu abraço do Brasil.
Desespera-me te ver falar assim, como se eu fosse um fantasma, uma invenção de tua cabeça. Temo ter entrado tanto em tua mente e me feito tão presente em teus olhos que me vês feito um prolongamento de tuas idéias, um amigo imaginário, sei lá. E não, não é isso que quero. Quero que me vejas como um outro ao lado, uma ponte, um colchão pras tuas dores. Sou tua já. Basta que me abras a porta. Pude ver,minha prenda,agora você. Me veja.

Aretha. "

carta-ação

“( Pássaros em CD.)


Querida Aretha,


Como vai o Brasil? Na Rússia, as coisas parecem não ter fim..Tanta água, mares de concreto, um frio que percorre os ossos feitos guardiões do Estado. Não se fala muito em Estado aqui... sabe-se lá porquê, só sei que prefiro calar. E a vida aqui é assim: Calando-se, baixando as vistas, sem aquela algazarra de vozes incertas da nossa terra mãe. Não que isso seja ruim, só esse aquecimento global que me derrete aos poucos e logo me fará poça... E pensar que saí daí tão cheio de sonhos, tão destiladamente humano trazendo nos bolsos 10 cents e minha vida. E essa minha água evaporou. Foi-se.
Pupilas dilatadas.Preciso de um porquê.Usei heroína. Viciado em heroína. Preciso dela todo dia, pra me erguer em pé. Sem ela,não passo de um homem. Com ela,vivo dragões e castelos. E ainda a espero. Injeto nas veias a fantasia dessa mulher que me percorre o corpo espalhando intentos de espelhos mágicos, espero essa musa que me sussurra os segredos do Rei. Ela, heroína. Que se esconde do meu farejo. Inalo,cheiro, e tudo que exalo é poeira.
Entorto colheres nos tempos vagos. Minhas mãos já estão feridas. Gostaria de parar, pois já não tenho talheres,mas quanto mais tortos os garfos, mais o sabor se altera. E é isso que eu quero, é disso que eu preciso. Sim,aqui na Rússia a vida tem gosto de saco. Taque uns cabelos na boca e deguste o meu ensopado.
Saiu mais um foguete. Sonhei que soltava pipa. Existe pipa no Brasil? Não sei,não gosto muito do Brasil...coisas que terminam com ‘L’ me dão nos nervos, tem um som fechado no final que faz-me sentir um monstro... mas pelo menos aí tem negros, a palidez rosácea dos russos é entediante...Agora tudo tem reticências...maldito Brasil....
Agora eu me vou,pois toca a campainha. Não deve ter mais ninguém, tocaram e gritaram, e ouvi passos na escada enquanto falava mal do Brasil..Mas vou lá assim mesmo,pois da mesma forma que eu não falava (eu escrevia), o alguém pode não ter-se ido embora ( só me tapeado)..não é?
Meu primeiro erro. Odeio não ter a borracha, aquela que apaga Tudo. Lá na Amazônia tem borracha e eles levam pessoas pra tirá-la de lá. Umas lembranças que tenho é um filme sobre esses escravos do leite... no Tempo dos Reis..Querem apagar o Brasil. Por mim tudo bem, aí não tem foguete. Mas vocês tem as melhores colheres do mundo. E o abraço. É fato.
Como eu dizia, vou à porta, ser meu próprio carteiro. Vou me escrever uma carta de amor tão linda que me fará chorar...lindo ao ler a minha heroína chegar, mansa em sorrisos. “ Rrêio!” opa, sou russo agora. E vou-me.


Péricles.”

11 September, 2006

Conto em dedos


Ah, esse mais do mesmo... quem vive num lugar desde que nasceu compartilha comigo a impressão azeda de que já viu tudo que tinha pra ver. Pessoas, lugares, situações. O ritmo da cidade se traduz, seus códigos não encantam mais. Eu achava que sabia.. Essa coisa de putas e gringos não é segredo para ninguém. Nossa cidade Fortaleza é um Forte de sacanagem. Com o estômago revirando dum enjôo, paramos num bar de reggae do coração raparigístico da província. Cabeças louras, ombros largos e pedaços de pele por todos os lados. Meus olhos não paravam, eu não conseguia parar. Assustada com pessoas que antes eu só lia, pessoas pra quem o sexo tem um outro significado. Enraivecida com essa gente que brinca de meretriz, vergonha por já ter feito essa piada antes. Ser puta,ser puta,ser puta...isso me perseguia.Uma mulata dessas "de exportação" senta na minha frente. Grandes olhos, lábios, peitos e cachos amontoados em decotes pretos e brilhos. Meu blazer e seu salto. Em confronto. Olhando continuamente pros lados, catando homem, inquieta pela 'do dia'. De repente, à esquerda. Olhos parados, finalmente. Língua em ação. Copos lambidos e dedos fálicos. Uma crueza de intenções sexuais grande demais pra mim. Essa oleosidade do desejo. Não pude ver com quem ela flertava,mas sei que desistiu. Ela não era puta pra qualquer um; era puta globeleza, carnuda e maliciosa. Em batalha novamente, bombardeio de papéis nos italianos ao lado. A da esquina gritava "Amore,amore". Não, isso não era para ela. Ela não grita, mas seus olhos berram. Tanta volúpia que transborda no nódulo de apertadinhas e arrombadas em torno da TV. Não a vi conseguir cliente, creio que fui embora antes disso. E enquanto meu rosto derretia pelo sono do bêbado, vi a Outra. A puta gordinha do interior,sem graça, de cabelos grandes e encaracolados como manda a regra do 'não me notem'. A putinha de sorrisso morno e sombra verde nos olhos de anta. "Ela tenta ficar bonita,ela tenta aparecer" pensei. E enquanto a gorda girava e ciscava em círculos e círculos meus olhos rodaram e o estômago cedeu. Eu as vomitei.